Texto de Don Marco Alighieri
Vi uns textos escritos por uns sem-noção esparramados pela internet recentemente, então aqui passarei alguns de seus conceitos pelo meu crivo, derrubando certos mitos ou engodos que estão sendo sustentados nesses casos.
"No BDSM você é mais amado, seu parceiro é mais honesto e fiel, sua relação é mais feliz, seu orgasmo mais gostoso e..."
- ...E a grama é mais verde né Bob Esponja?
NÃO... 1000 vezes NÃO! Isso aqui é pura idealização...
Viagem na maionese das piores, que só uma pessoa sem experiência real, bom senso ou objetivos coerentes teria. BDSMers e baunilhas encaram os mesmos exatos problemas em suas relações. A única vantagem que temos aqui, vem de quem de fato aproveita o tema "realização de kinks mútuos" para criar uma maior cumplicidade com o(s) parceiro(s) e, à partir daí, então troca falsos moralismos e hipocrisia por uma postura aonde assume seus desejos, vontades e necessidade de uma forma mais franca e cristalina.
De resto? É tudo a mesma coisa.
E o mesmo eventual canalha, abusivo, hipócrita, traíra, etc... que existe no baunilha também existe no BDSM. - NÃO SE ILUDAM!
"O BDSM lhe dará mais prazer sexual. Vai gozar com chibatadas. E..."
- E...? Não... Está MUITO errado isso aqui....
O fato é que proficiência técnica no BDSM, e proficiência sexual são coisas diferentes. É possível alguém ser um bom BDSMer como um todo - inclusive dominando algumas técnicas rebuscadas e, ao mesmo tempo, ser "um completo desastre na cama" (um total inepto em levar seu parceiro à um orgasmo). E vice-versa.
De resto?
Não deve-se confundir algum clímax prazeroso, excitação sexual ou qualquer outra coisa apreciável que possa ser obtido em certas técnicas com o orgasmo que é obtido com estimulação tipicamente da glande ou do clitóris. (Esse tipo de confusão é um erro primário, típico de quem não tem conhecimento de causa ou experiência consolidada.)
"No nosso verdadeiro BDSM a submissão é plena e ilimitada."
- OK... se isso for a fantasia que você realiza no seu Kink, beleza.
Você pode inclusive gritar isso na sessão ou relação à vontade para seu parceiro ouvir e curtir o seu entusiasmo. Só não vá confundir isso com a mecânica pela qual as coisas REALMENTE funcionam.
Na mecânica? NENHUMA submissão do verdadeiro BDSM é ilimitada de fato em sentido algum - e muito menos "plena" ao ponto de não haver livre-arbítrio da parte do Bottom.
"Fulano nasceu Dom/Domme, e por isso Ele(a) manda e seus bottoms obedecem de verdade."
- LOL... Aqui temos uma enorme falácia, que quase sempre é apregoada para o autor tentar autopromover-se, ou até mesmo justificar um comportamento autoritário. Temos muitos líderes natos que no BDSM são Submissos. Assim como temos pessoas sem essa habilidade e que por aqui ajustam-se como Dominadores. Em ambos os casos, a D/S ficando restrita à sessões ou à certos momentos específico, o que não só funciona muito bem e gera uma catarse interessante à ambos como também é - na prática - algo feito por uma enorme parcela dos praticantes. E não há nada de errado nisso. Assim como, na prática, qualquer um no BDSM idealmente tem que estar obedecendo qualquer coisa que seja porque de fato quer. (E não porque precisa.)
O inverso disso é que seria um tipo de FALSO BDSM, aonde a coisa não é consentida mas sim imposta.
"O verdadeiro masoquista ama a dor e o desconforto, e adora ostentar suas marcas."
- Já começa errado porque nem todo masoquista "ama a dor".
Masoquismo pode estar baseado em ter prazer com QUALQUER coisa que - tipicamente - seja tida como desagradável. E isso pode ser dor, humilhação, medo, ciúme, raiva, nojo, incerteza, perda de controle, limitação nos movimentos e uso dos sentidos, cócegas, etc... E, obviamente, qualquer um vai ter LIMITES para os níveis e os tipos de coisa que aprecia. Passa LONGE de alguém por aqui "amar qualquer dor". E logicamente, nem todo mundo gosta de ostentar marcas. (Alguns masoquistas inclusive terão "ficar com marcas de determinado tipo no corpo" como LIMITE.)
"BDSM é baseado na mais verdadeira entrega."
- Entrega do quê?
Da encomenda de acessórios fetichistas que alguém comprou pela internet?
Bom, aqui temos é mais uma firula colocando "Dominação e Submissão" como componente central e vital do BDSM.
Erm...
Sem querer ser chato?
Vamos à uma explicação do tio Don Marco Alighieri...
Na realidade o componente central e vital do BDSM é o "SadoMasoquismo".
Essencialmente porque "querer ceder o controle à alguém" (submeter-se) não deixa de ser uma forma de masoquismo. (Afinal, isso é tido como desagradável normalmente.) Mas "apreciar algo que normalmente é tido como desagradável" (masoquismo) NÃO é necessariamente uma forma de submissão à vontade de outra pessoa. (Tanto que há o "Topping-from-the-Botom" - que pode ser exemplificado no clássico "Quero que você me estapeie e me chame de vagabundo." dito e prontamente atendido por muitos por aí...)
E assim segue...
TUDO do BDSM, incluindo Bondage, Disciplina E Dominação/Submissão pode ser compreendido como subtipos de SadoMasoquismo!
E tacitamente? Porque o termo SadoMasoquismo é o mais usado e aceito desde os primórdios para se referir à prática como um todo.
Duvida? Ok... Façamos um simples teste...
Jogue "SM practices" ou similar no Google ou outro buscador:
- E encontrará o BDSM na primeira página.
Substitua por "DS practices":
- E terá artigos sobre tecnologia de rede e até um videogame portátil da Nintendo.
Troque "practices" por "relationship" em ambos os casos?
- E a pesquisa com DS trará um artigo só sobre Dominação e Submissão, enquanto que a pesquisa com SM trará - antes de um artigo análogo, específico sobre SadoMasoquismo - um artigo sobre o BDSM como um todo!
Se quiser chorar? Espernear? Me xingar no twitter?
Fique à vontade.
- Só não venha negar fatos.
"Feminista (ativista) e Submissa (bottom do BDSM) são antônimos."
- Bom, SE estamos falando de uma submissa que esteja dentro do BDSM consentido livremente, aonde apenas realizam-se kinks mútuos dos envolvidos de uma forma responsável e coerente com o objetivo da prática? Não tem NADA A VER uma coisa com a outra.
Feministas são mulheres que, em geral, estão buscando condições de igualdade na sociedade. E isso aqui é uma luta de campo político, social e/ou cultural dependendo do foco de cada uma delas e/ou de seus grupos.
Submissas do BDSM são mulheres que - por alguma razão - se excitam com ou apreciam de alguma forma a sensação de perda do controle. Podendo esse controle, dado que é consensual, ser retomado à qualquer momento. Logicamente não necessariamente estão interagindo com homens... Podem estar inclusive se submetendo à mulheres também. E - óbvio - se tratando de um kink, não podem ser pessoas sendo de fato exploradas ou escravizadas. Não há nenhum antagonismo entre uma coisa e outra, que não seja fruto de confusão ou ainda de exageros de algum tipo.
A única ressalva?
É se alguém por aí estiver confundido "submissa do BDSM" com "mulher que, na sociedade, é submetida ao homem" (machismo). E aqui sim, teríamos aquela situação de exploração, aonde tal mulher é desprovida de autonomia, forçada à uma posição de inferioridade real, ficando sob coerção de vários tipos de dependências (geralmente emocional, sexual, financeira, etc...) - e daí essas dependências passam então a ser usadas para obrigá-la à servir acatando ordens de homens em geral e de seu marido em particular enquanto que seus direitos e necessidades de vários tipos são relegados à segundo plano. E - para todos os efeitos - no BDSM esta pessoa não poderia ser qualificada como "submissa (bottom) de seu marido" de acordo com as boas práticas dado que está sendo COAGIDA de várias formas à obedecer (não consentindo livremente) - e passa também longe de estar à realizar um kink, e dessa forma a situação é incoerente com o verdadeiro objetivo do BDSM. Caindo então precisamente no perfil de alguém subserviente ou vítima de um parceiro abusivo. (Essencialmente alguém sendo prejudicado pelo que faz, no lugar de alguém fazendo o que gosta, e que irá apresentar sintomas de quebra e típicos danos psicológicos ao longo do tempo.)
Obviamente? Alguém que faça tal confusão entre os termos - defendendo este antagonismo - ou não compreende de fato o BDSM, ou está à utilizar seus conceitos indevidamente.
FIM
(Por enquanto... Até a hora em que inventarem mais besteiras novas.)
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