quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Origens do BDSM



Texto de: Vulpes


Vira e volta vejo falarem de onde nasceu o BDSM, teorias não faltam e chegam até a dizer que o BDSM surgiu em épocas antes de Cristo, que surgiu no Egito antigo, que surgiu nos conventos europeus etc... Não é bem assim. Discursos como esse são enormes enganos e uma certa confusão de termos. Explico:

Como qualquer um que está lendo isso sabe que BDSM é um anagrama de Bondage, Disciplina/Dominação, Sadismo/Submissão, Masoquismo. 

Por outro lado não é todo mundo que sabe que o termo (e não a prática) “sadismo” surgiu em homenagem ao Marquês de Sade; a
ssim como o termo (não a prática) “masoquismo” surgiu em homenagem à Leopold Ritter von Sacher-MasochPor fim “Bondage” tem sua origem ligada à antiga prática oriental chamada Kinbaku.

Por que falo isso?

Para mostrar que AS PRATICAS englobadas sob o Anagrama são antiquíssimas. Existem diversos relatos de práticas sexuais envolvendo dominação/submissão, causar/sentir dor, amarrações, etc por toda a história de vários povos.

No Kama Sutra, por exemplo, existe a descrição de quatro formas de erotic spanking (não sei como poderia traduzir esse termo ahahah) com cuidados a serem tomados, e descrições do que poderia ser considerado um aftercare, inclusive.

Isso quer dizer que o BDSM surgiu no Kama Sutra? NÃO. Quer dizer que o BDSM é milenar? NÃO.

Mais uma vez: o BDSM é um anagrama onde se colocam juntas práticas que antes não eram (a priori) relacionadas entre si, essas sim (as práticas) são bem antigas.

Então de onde surgiu o TERMO BDSM?

Couro e BDSM são vistos como duas partes de um todo. Grande parte da cultura BDSM pode ser rastreada até a cultura homossexual masculina chamada leather movement ou leather subculture, que se disseminou com o grupo de homens que eram soldados e retornaram para casa após a Segunda Guerra Mundial (1945).

O leather (couro) era um termo predominantemente masculino gay para se referir a um fetiche. Os membros da comunidade podiam usar couros, mais populares eram as roupas de motociclistas, ou podiam ser atraídos por homens vestidos em roupas de couro.

A Segunda Guerra Mundial foi o cenário onde inúmeros homossexuais homens e mulheres provaram a vida entre os pares homossexuais. Do pós-guerra, se reuniam em grandes cidades como Nova York, Chicago, San Francisco e Los Angeles.

Eles formaram clubes de couro e moto clubes, que eram uma versão subcultural dos bares de motoqueiros que estavam em voga.

Esta foi a gênese da comunidade de homossexuais masculina leather. Muitos dos membros foram atraídos para formas extremas de sexualidade principalmente para as práticas do S&M, para os quais o pico expressão se deu na década de 1970 pré-AIDS.

Estes clubes gays, como os clubes da cultura biker em linha geral, refletia um descontentamento com a cultura mainstream da Guerra Mundial II nos Estados Unidos, um descontentamento cuja notoriedade se expandiu após a cobertura da imprensa sensacionalista do "motim" Hollister de 1947.

O filme de 1953 The Wild One, estrelado por Marlon Brando vestindo jeans, uma camiseta e uma jaqueta de couro, virou um símbolo pop-cultural do "motim" de Hollister e promoveu uma imagem de independência masculina que ressoou, alguns homens gays que estavam insatisfeitos com uma cultura que estereotipava homens homossexuais como afeminados.

A cultura da motocicleta gay também refletia o descontentamento de alguns homens com as culturas homossexuais coexistentes mais organizadas em torno de alta cultura e a cultura popular (teatro especialmente musical). Talvez como resultado, a comunidade de couro que emergiu dos moto clubes também se tornou o local simbólico de práticas a exploração aberta dos homens homossexuais no kinky e no S & M.

Esta subcultura é sintetizada pela Leatherman's Handbook de Larry Townsend, publicado em 1972, que descreve em detalhes as práticas e cultura de sadomasoquistas gays nos anos 1960 e início dos anos 1970.

No início de 1980, o movimento lésbico também se juntou à cultura leather como um elemento reconhecível da comunidade gay de couro. Elas também formaram clubes de couro, mas havia algumas diferenças de gênero, tais como a ausência de bar das leatherwomen.

Em 1981, a publicação de Coming to Power do grupo lésbico-feminista Samois levou a um maior conhecimento e aceitação do kinky na comunidade gay feminina. Na década de 1990 os movimentos Leather já não eram mais underground e desempenhou um papel importante na comunidade kinky, como o os concursos Mr. Leather ou Mr. Drummer e a Leather Pride em 2004.

Enquanto isso a cultura Leather se espalhava por outros países como Amsterdã e Berlim, em 1950, e em Sydney de 1970.

Nesse contexto histórico e cultural foi que surgiu o que hoje se denomina BDSM, com o crescimento do movimento e a crescente adesão à comunidade leather muitas pessoas se aproximavam do movimento achando que se tratava de uma “terra sem lei” ou que tudo era permitido. Relembrando que não era praticado o BDSM e sim o SM.

Essa errônea percepção permissionista e inconsequente atraía muitos pessoas desequilibradas ou mal intencionadas. (Por exemplo, houve em Londres um Serial Killer que atacava adeptos dos bares gays SM). Visando uma melhor organização e a segurança da comunidade, a surge a necessidade de organizar e de delimitação das práticas, dos limites, das bases (por exemplo o SSC criado em Agosto de 1983 pelo GMSMA) nascendo assim o BDSM que integrou as práticas mais populares e mais praticadas na cultura Leather.

Há quem entenda que para ser um adepto BDSM deve-se praticar todas as parafilias que o anagrama engloba. Já há quem entenda que estando na prática de apenas uma das letrinhas já é suficiente para ser considerado um adepto. Mas isso é assunto para uma outra conversa.

Finalizando, espero que tenha ficado claro que as práticas envolvidas na vivência BDSM são antigas, milenares até... mas O BDSM em si, o que ele significa e pelo que foi concebido é muito recente. Não se deve confundir as práticas isoladas com a ideologia como um todo.

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